6.11.07

Vidas devassadas

Com a proliferação de câmeras digitais portáteis, qualquer um pode ter sua intimidade exposta na internet

VALÉRIA FRANÇA E TELMA ALVARENGA COM LUCIANA VICÁRIA

No início do mês, o Ministério Público apreendeu os computadores domésticos dos pais de dois garotos de classe média carioca. Primos de 17 anos, os dois adolescentes foram acusados de filmar e colocar na rede imagens de sexo explícito de um deles com a namorada, sem que ela soubesse. A mãe da garota assistiu às cenas e fez uma denúncia na Justiça. Divulgar cenas ou material pornográfico envolvendo menores de idade é crime com pena prevista de dois a seis anos de reclusão.

O vídeo teria sido gravado em Botafogo, quando um dos rapazes ofereceu o próprio quarto para que o primo ficasse com a namorada. Antes de a garota chegar, a dupla armou para gravar o encontro com uma webcam escondida. O filme tem quase nove minutos e, segundo os primos, foi distribuído apenas para os amigos mais chegados, mas teria vazado para a internet. Agora, é baixado e transferido de um site para outro por milhares de internautas e provavelmente nunca mais vai sair da rede. Brigas de namorados que acabam em escândalos na rede são cada vez mais comuns. Alguns incluem fotos eróticas que marcam para sempre a vida das vítimas.

Em 2004, foram vendidos 243 milhões de câmeras digitais

''Hoje a grande mudança de comportamento se deve ao fato de que fotografar ficou fácil, portanto, mais freqüente'', diz a psicóloga Luciana Ruffo, do Núcleo de Pesquisa e Psicologia e Informática da PUC de São Paulo. ''A câmera, muitas vezes acoplada ao telefone, está sempre à mão e não precisa nem de filme.'' As baixarias pela web proliferam com o aumento da disponibilidade para as tecnologias avançadas, a preços acessíveis. De acordo com o Instituto Strategy Analytics, no ano passado a aquisição global de celulares com câmeras chegou a 174 milhões de unidades vendidas. Somam-se a eles cerca de 69 milhões de câmeras digitais, nas mãos de gente nem sempre bem-intencionada.

Fabiano Accorsi/ÉPOCA
AMIGOS?
Ricardo e Cleber colocaram na internet flagrantes inconvenientes de um colega de trabalho para se vingar de outra baixaria equivalente

No fim do ano passado, a carioca Mariana Pinheiro Corrêa, estudante de Direito, de 20 anos, montou um blog, uma página na internet, para explicar como caíra numa grande cilada: há dois anos, ela posou nua para o namorado e suas fotos foram parar na internet. ''Você está ali, com a pessoa amada, sendo tratada com o maior carinho, e nunca imagina que isso possa acontecer'', diz Mariana. Assim que o casal rompeu o relacionamento, suas fotos foram colocadas num site paulista de garotas de programa. Um amigo de Mariana viu e a avisou. Ela ligou para o responsável do site, explicou a situação e pediu que retirasse suas imagens. Foi prontamente atendida, mas, até aquele momento, o site havia recebido 10.500 visitas. Os internautas capturaram os arquivos de imagens, que hoje estão espalhadas pela rede.

A notícia correu na cidade de Petrópolis, onde Mariana morava com os avós, evangélicos. ''Meus primos, minha tia, meu pai... todos viram.'' Quando saía à rua da pequena cidade, as pessoas apontavam e muitas vezes xingavam. Mariana teve de contar à avó. Juntas, resolveram mudar-se para a cidade do Rio de Janeiro, onde não conheciam quase ninguém. O sossego durou pouco. Mariana estava no 2o ano da faculdade de Direito, quando um colega, por acaso, achou suas fotos na internet, copiou num disquete e levou para mostrar aos amigos da faculdade. ''Nos corredores, perguntavam quanto eu tinha cobrado'', conta Mariana, que ficou sem amigos. Para recobrar o equilíbrio emocional voltou-se totalmente para a religião. Mariana não quis processar o namorado para não prolongar ainda mais a história. ''Com o passar do tempo, as pessoas vão deixar de se escandalizar com imagens de colegas nus na rede'', diz Rejane Cantoni, professora de Tecnologia e Mídias Digitais da PUC-SP. Para ela, os valores devem se alterar com a banalização da intimidade.

''O computador cria a falsa ilusão de impunidade, pois seus autores acreditam estar a salvo ao praticar um delito no quarto de casa, sem nenhuma testemunha'', diz Francisco Bondioli de Souza, delegado titular da Delegacia de Delitos Cometidos por Crimes Eletrônicos de São Paulo. Só na divisão dele há 40 inquéritos do gênero em andamento. A maior parte dos casos, no entanto, não chega à delegacia de polícia.

Montagem de Marcelo Nogueira sobre fotos de Mirian Fichtner/ÉPOCA e Divulgação

#Q:Vidas devassadas - continuação:#

Fabiano Accorsi/ÉPOCA
ADVOGADO
''Como a prova é virtual, o acusado pode tirá-la do ar antes que os advogados consigam testemunhas oculares'', alerta Blum

''A tendência é o jovem ficar mais cuidadoso com suas atitudes e relacionamentos'', diz Mirian Goldenberg, professora do Departamento de Antropologia Cultural da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A internet, o game e a TV mudaram a relação do adolescente com o mundo, que passou a ser mais individualista. No primeiro momento a foto digital foi usada para divulgar a própria imagem. Por celular, a galera recebe as fotos do agito ou da garota que o amigo está ficando naquele dia. ''Agora, num segundo momento, a tecnologia começa a mostrar seu lado perverso, ao permitir que a imagem de qualquer um também seja destruída em segundos'', afirma Mirian.

Cuidar da imagem em público, até então, era uma preocupação que afligia apenas as celebridades. ''Quando estou fora de casa, presto atenção até na forma como me sento em uma cadeira'', diz a atriz Cássia Kiss. ''Se por acaso estiver de saia e aparecer minha calcinha, pode ter certeza, haverá um paparazzo de prontidão para me fotografar.'' Fora da telinha, ela assume o papel de mãe e dona de casa. Vai ao supermercado, por exemplo, como qualquer outra carioca - e sem guarda-costas para não chamar a atenção.

Marcelo Correa/ÉPOCA
PRECAVIDA
Celebridades, como a atriz Cássia Kiss, não descuidam. ''Presto atenção até na hora de sentar em uma cadeira num lugar público'', conta

A preocupação de como se comportar em público já faz parte da vida de pessoas comuns. ''Há professores que orientam a classe a não levar câmera a festas organizadas pelo cursinho'', conta o estudante Ricardo Alexandre Silva, de 27 anos, que montou uma empresa, a Play Rec, dedicada à montagem de sites e edição de vídeos digitais. ''Nos encontros com estudantes, sempre regados a cerveja, tanto alunos quanto professores podem se exceder na bebida. E quando isso acontece sempre aparece alguém para fotografá-los'', diz Silva. No dia seguinte, as imagens já na internet causam embaraços, principalmente para os educadores que tomaram alguns copos a mais.

Quase um especialista no tratamento de imagens, Silva já aprontou muito nesse campo. Junto com o amigo Cleber Stevani, de 25 anos, registrou um colega de trabalho dormindo e babando sobre a mesa do escritório. Ele filmou a cena, sonorizou com ''Baba Baby'', sucesso de Kelly Key, e abriu um endereço na internet para disponibilizar as imagens para a turma do escritório. ''Não levou mais do que dez minutos para colocar no ar'', conta Stevani. A firma inteira teve com o que se divertir por dias. Mas a vítima da história não gostou e reclamou à chefia. Stevani foi seriamente advertido e por pouco não acabou demitido. Mais do que uma brincadeira, a armação era uma revanche. Poucos meses antes, o dorminhoco da empresa havia duplicado digitalmente as fotos dos crachás de alguns funcionários, entre eles a de Stevani, para uma montagem com imagens retiradas de um site de pornografia homossexual. ''O meu rosto foi parar no corpo de um gay sarado e correu todos os e-mails da empresa'', conta Stevani. ''Mas eu não perdi o humor.''

No Brasil, já existem 20 milhões de internautas

Quanto mais íntimas e constrangedoras, mais as imagens atraem a curiosidade dos internautas. Em 1999, eram 2,5 milhões de internautas brasileiros. Hoje, são 20 milhões. Não é de estranhar que os crimes eletrônicos tenham tomado outra relevância e por isso recebido atenção especial da Justiça. Já existe um time de advogados especializado nessa jurisprudência. ''A grande dificuldade consiste em conseguir provas'', diz Renato Opice Blum, advogado especialista em Direito Eletrônico, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e da Fundação Getúlio Vargas. Como a prova é virtual, o acusado pode tirá-la do ar antes que os advogados consigam testemunhas oculares ou mesmo um material impresso. Com os avanços da legislação nessa área, hoje já é possível ir a um tabelião e pedir o registro de uma prova virtual. O funcionário declara ter visto a página na internet naquela data.

Fabiano Accorsi/ÉPOCA
ESPECIALISTAS
Giova (acima) conta que chantagistas cobram para não divulgar fotos com flagrantes de adultério. ''Se a pessoa não paga, eles colocam tudo on-line'', diz

Surgiram também peritos em investigar as infrações da rede. Como um verdadeiro Sherlock Holmes da internet, rastreiam de onde partem e-mails portadores de chantagens, difamações e mesmo com fotos ameaçadoras à honra. Descobrem os provedores de acesso para depois chegar ao endereço das máquinas de onde partiram as mensagens. Giuliano Giova, diretor do Instituto Brasileiro de Peritos em Comércio Eletrônico e Telemática, conta que há chantagistas que cobram para não divulgar fotos de adultérios na internet. ''Relações extraconjugais, muitas vezes, são denunciadas pelo e-mail depois de uma chantagem malsucedida'', revela Blum. Os danos podem ser mais do que morais. Casamentos e carreiras desmoronam. Se o chantagista cumpre a ameaça, e-mails difamatórios, às vezes, com fotos comprometedoras são disparados para todos os conhecidos da vítima, do cônjuge ao chefe da empresa em que trabalha. ''Estamos vivendo numa época em que todos precisam estar vigilantes, e isso vale para o resto de nossa vida'', diz Mirian Goldenberg. ''A facilidade de flagrar as pessoas em situações inusitadas levará as pessoas a repensar sobre os limites entre a vida pública e a privada'', diz Sueli Damergian, professora de Psicologia das Relações Humanas da PUC-SP.

Giulio Napolitano/AFP
Alexander Chadwick/AP
FOCO
Onipresentes, câmeras dos anônimos capturam imagens do papa recém-eleito. Uma das vítimas do atentado em Londres fotografou o metrô explodido com seu celular


#Q:O que fazer quando alguém faz um site com fotos suas e prejudica seriamente sua imagem:#

E AGORA?

A quem recorrer para o site sair do ar?
Antes de tirar o site do ar, é preciso guardar uma prova de que ele existiu. Para isso, é melhor consultar um advogado

Em quanto tempo se deve agir?
O mais rápido possível, para evitar que o dano aumente. Juridicamente, é importante fazer a queixa em seis meses

Como tentar encontrar o culpado?
Advogados podem acionar a Justiça e obrigar os provedores de internet a revelar dados de quem postou as imagens

É possível processar alguém, como o provedor?
Existem decisões judiciais contra os provedores, mas quando eles se recusam a tirar o material do ar

Deve-se contratar um detetive particular para descobrir o culpado?
O advogado da vítima pode avaliar a situação e indicar a melhor atitude em cada caso

Qual é a melhor maneira de reconstruir a auto-imagem diante do constrangimento?
Além de impedir a veiculação das imagens, pleitear indenizações por danos morais

#Q:Casos mais rumorosos de pessoas comuns que tiveram fotos publicadas e divulgadas indevidamente na rede :#

PARA SEMPRE NA INTERNET

Fotos: Reprodução
CHURRASCO
Em 2001, foi ao ar uma fotomontagem erótica com casais de Ribeirão Preto
CÂMERA OCULTA
Estudantes da FGV de São Paulo foram clicados fazendo sexo em 2002

JEDI
O vídeo de um canadense imitando Guerra nas Estrelas entrou na rede em 2003
ESCÂNDALO
As fotos de Mariana nua espalharam-se pela internet

ESCOLA
Dois estudantes do Rio são acusados de divulgar vídeo com sexo envolvendo uma colega


#Q:O que é legal ou não no uso de imagem dos outros na internet:#

COM OU SEM CONSENTIMENTO

Tirar foto do amigo jogando bola e colocar num site com o consentimento dele
Se a pessoa fotografada consentiu, não há transgressão

Tirar foto do colega de escola de cueca e colocar num site sem o consentimento dele
Tanto quem tirou a foto quanto quem veiculou a imagem podem ser processados civil e criminalmente. Apena, por crime contra a honra, vai até dois anos de prisão. Se ficar provado que também houve violação de direito autoral pelo uso da imagem, a pena pode ser ainda maior

Tirar foto de pessoas numa sorveteria em sua rua e colocar num site sem nem mencionar o nome delas
A imagem das pessoas não pode ser utilizada sem autorização. Também é passível de processo

Publicar fotos da amiga exibicionista em posições provocantes e roupas íntimas com o consentimento dela
Se a amiga somente permitiu que as fotos fossem tiradas, e não divulgadas, aquele que publicou ou colaborou na publicação pode responder nas esferas civil e criminal

Publicar fotos da ex-namorada em posições provocantes e roupas íntimas sem o consentimento dela
É ilegal. Se a ex-namorada for menor de idade, a situação se complica mais. A pena pode ser estendida até para quem assegura os meios ou serviços para armazenamento das imagens. No caso, os provedores de internet. A pena vai de dois a seis anos de reclusão

Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EDG71039-6014,00.html

#Q:Câmeras mais que discretas que podem tirar fotos indiscretas :#

PEQUENAS MÁQUINAS ESPIÃS



Fotos: Divulgação

#Q:Quais são as celebridades que mais aparecem na internet de maneira indevida:#

AS VÍTIMAS PREFERIDAS

Uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Peritos em Comércio Eletrônico e Telemática, entre dezembro e janeiro deste ano, levantou as celebridades que mais aparecem na internet de maneira indevida. Elas surgem sem saber em sites de pornografia. Para fazer o ranking das vítimas, o instituto contou a média de ocorrências de usos indevidos registrados em diferentes sites de buscas

Xuxa

131.631

Carla Perez
101.282
Luana Piovani
82.939
Babi
69.865
Eliana
61.579
Scheila Carvalho
60.538
Joana Prado
57.743
Mari Alexandre
56.853
Sandy
50.953
Deborah Secco
48.959
Ivete Sangalo
46.209
Gretchen
46.058
Angélica
40.940
Claudia Raia
40.006
Vera Fischer
39.774

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